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O alienista: ciência, poder e loucura

SOBRE O LIVRO

Publicado pela primeira vez em 1882, O Alienista é uma das obras mais elogiadas do escritor brasileiro Machado de Assis. Considerado um clássico da literatura mundial, esse livro curto evidencia o talento do autor. Elementos que o consagraram — como a ironia, a crítica social sofisticada e a análise psicológica profunda — estão fortemente presentes nessa narrativa.

A história gira em torno do Dr. Simão Bacamarte, um médico alienista, ou seja, especializado em tratar os alienados, ou os loucos.  Esse  respeitado doutor, após uma temporada na Europa, retorna à fictícia cidade de Itaguaí com o objetivo de se dedicar ao estudo das doenças mentais. Para isso, ele cria a Casa Verde, um hospício onde interna aqueles que ele considera malucos. 

Num primeiro momento, apenas indivíduos que realmente sofriam de transtornos mentais sérios eram internados. Mas, à medida que o tempo passa, os critérios do doutor vão se tornando cada vez mais amplos, levando quase todos os habitantes da cidade a serem considerados loucos. Diante disso, o  Dr. Bacamarte decide mudar radicalmente sua teoria, o que provoca situações ainda mais  cômicas e absurdas.

A obra discute temas importantes, como o conceito de loucura, a crítica ao cientificismo, ou seja, a crença de que o saber  científico é  único tipo de conhecimento confiável, e a hipocrisia de diversas instituições sociais. Tudo isso é retratado com o humor inteligente e a ironia que caracterizam a escrita de Machado.

Com cerca de 70 páginas (a depender da edição), O Alienista é uma leitura curta, mas muito rica. Por isso mesmo, costuma ser indicado como uma excelente porta de entrada para quem deseja mergulhar no universo dos clássicos da literatura. A obra é leitura obrigatória em muitas escolas e universidades, e já foi adaptada para a televisão, o teatro e o cinema, o que evidencia sua grande repercussão.

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POR QUE EU GOSTEI DO LIVRO

Gostei porque o livro nos motiva  a ter bom senso. Ele nos lembra que o conhecimento científico tem seu valor, mas não deve ser idolatrado nem encarado como a única forma de conhecimento aceitável. A ciência possui limitações e não consegue responder a todas as questões humanas, sobretudo as mais profundas. Por exemplo, está fora do alcance da ciência entender completamente os mistérios da mente humana. Muito pelo contrário, a ciência está bem longe dessa compreensão plena.

O Dr. Bacamarte não considerou essas limitações — e o resultado foi uma série de decisões absurdas. A lição que fica é clara: não devemos confiar cegamente na autoridade de médicos ou estudiosos, por mais respeitados que sejam. Precisamos usar o discernimento, comparar diferentes opiniões e, dependendo da situação, considerar outras formas de conhecimento, além da científica.

Também gostei do livro pela forma como ele mistura humor e crítica social. A narrativa tem momentos divertidos, mas não se trata de um humor superficial. É um humor inteligente , que revela as contradições da sociedade e do comportamento humano.

Outro aspecto que muitos gostam nesse lvro é a sua dimensão reduzida. Como já mencionei, trata-se de um livro curto — Machado escreveu pouco, mas disse muito. Costumo indicá-lo aos meus alunos como uma excelente forma de despertar o gosto pelos clássicos. E as discussões que surgem a partir da leitura costumam ser muito ricas.

Recomendo esse livro!

Nesse ótimo vídeo de apenas 10 minutos, a jornalista Isabella Lubrano comenta a obra de Machado de Assis. Vale a pena assistir!

TRECHOS DO LIVRO PARA SABOREAR

“Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção — o recanto psíquico, o exame da patologia cerebral.”
(Era essa a crença de muitos cientistas da época — e ainda é de alguns hoje —: a de que a ciência pode curar todas as mágoas.)

“Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes.”
(Ao escolher sua esposa, o doutor não considerou o afeto ou o caráter da mulher, e sim critérios puramente técnicos — um sinal claro de sua devoção extrema à ciência.)

“O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meu coração.”
(Ele aspirava alcançar um ideal inatingível para a ciência — encontrar o “remédio universal” da loucura.)

“Supondo o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí, insânia, insânia, e só insânia.”
(Mais um exemplo da falta de bom senso do doutor — algo infelizmente comum ainda nos dias de hoje.)

“A ideia de meter os loucos na mesma casa, vivendo em comum, pareceu em si mesma um sintoma de demência, e não faltou quem o insinuasse à própria mulher do médico.”
(Na época, os manicômios eram considerados modernos. Machado, com ironia, já questionava essa ideia. Hoje, esse tema segue polêmico. O livro “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex, aprofunda essa discussão — em breve, farei um post sobre ele.)

“Nada tenho que ver com a ciência; mas se tantos homens em quem supomos juízo são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?”
(Quando tudo se inverte, muitos começam a pensar que o verdadeiro louco era o próprio Dr. Bacamarte.)