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Resenha: documentário Janela da alma

SOBRE O DOCUMENTÁRIO

No livro bíblico de Jó 42:5, encontramos as seguintes palavras: “Em rumores ouvi a teu respeito, mas agora é o meu próprio olho que te vê”. Essas palavras, ditas há mais de três mil e seiscentos anos, não descrevem uma visão física de Deus, pois “Deus é espírito” (Conforme o livro da Bíblia de João 4:24). A “visão” mencionada por Jó é, portanto, simbólica, e representa um aprendizado profundo sobre as qualidades do Criador por meio da contemplação e reflexão sobre a criação. Jó “viu” a Deus com os olhos da mente e do coração.

As referências bíblicas mencionadas foram extraídas da Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada. Para baixar gratuitamente essa excelente tradução, clique na imagem

Essa capacidade de enxergar o invisível é um tema central no documentário Janela da Alma. O filme também explora um paradoxo contemporâneo: vivemos em um mundo saturado de imagens, mas essa abundância nem sempre resulta em verdadeira compreensão. Pelo contrário, o excesso visual pode gerar uma “cegueira mental coletiva”, nos distanciando do entendimento da realidade.

Lançado em 2001 e dirigido por João Jardim e Walter Carvalho, Janela da Alma reúne depoimentos de 19 participantes, incluindo o escritor José Saramago, o cineasta Wim Wenders, o músico Hermeto Pascoal e o fotógrafo cego Evgen Bavcar. Isso mesmo, um fotógrafo cego — e muito admirado no meio artístico. O documentário destaca como essas pessoas, cada uma com diferentes graus de deficiência visual, refletem sobre o ato de enxergar. Por meio de relatos significativos e comoventes, o filme desafia o espectador a repensar o que realmente significa “ver”, reforçando que o essencial muitas vezes não é visível aos olhos.

O documentário foi amplamente reconhecido, conquistando prêmios como o Prêmio Especial do Júri no Festival do Rio e o Prêmio do Público no Festival de Gramado.

Vale a pena assistir ao documentário! Está disponível gratuitamente no YouTube

POR QUE EU GOSTEI DO DOCUMENTÁRIO

Gostei de Janela da Alma pela forma sensível como trata a relação entre ver, sentir e imaginar. O documentário nos lembra que não basta apenas “colecionar” imagens com os olhos (ou, como é comum hoje em dia, ficar armazenando fotos e mais fotos no celular); é preciso calma, imaginação e atenção para interpretar o que vemos. No ritmo frenético de hoje, muitas pessoas já não conseguem contemplar. Imersas no mundo virtual, são bombardeadas por imagens descontextualizadas, que não atendem à necessidade humana de significado.

Achei especialmente interessante ouvir o depoimento de pessoas com deficiências visuais severas que superaram suas limitações e se destacaram em suas áreas. Elas provam que a verdadeira visão está na mente, não nos olhos. Nossa mente pode “enxergar” o mundo por diferentes meios, não apenas pelo sentido da visão.

Além disso, o documentário nos ajuda a perceber a realidade atual: vivemos em um mundo marcado pelo egoísmo, pela violência e pela falta de empatia. Hoje em dia, é ainda mais urgente, portanto, cultivar um olhar mais humano e sensível, capaz de enxergar o que realmente importa na vida. É uma obra que vale muito a pena assistir!

TRECHOS DO DOCUMENTÁRIO PARA SABOREAR

  1. Vivemos em um mundo que perdeu a visão. A televisão nos propõe imagens prontas. E não podemos mais vê-las, não vemos mais nada, porque perdemos o olhar interior, perdemos o distanciamento. Em outras palavras, vivemos em uma espécie de cegueira generalizada. […] Para mim, linguagem e imagem estão ligadas, isto é, o verbo é cego, mas é o verbo que torna visível. Sendo cego, o verbo torna visível, cria imagens. Graças ao verbo, temos a imagem. Atualmente, as imagens se criam por si mesmas. Deixaram de ser o resultado do verbo e isso é muito grave. É preciso que haja um equilíbrio entre o verbo e imagem. Por exemplo, Michelângelo não viu Moisés. Ele não foi segui-lo no Monte Sinai, mas ele leu o texto. (Eugen Bavcar, fotógrafo e filósofo)
  2. ‘Como nasceu a ideia do livro O “ensaio sobre a cegueira”? De repente, eu pensei: e se fôssemos todos cegos? Pouco tempo depois, eu mesmo respondi a essa pergunta. A maioria das pessoas é realmente cega. Cega em relação a sensibilidade. Grande parte das pessoas são violentas e agressivas e o mundo é cheio de desigualdade e sofrimento”. Além disso, nós nunca vivemos na caverna de platão como hoje. Hoje, de fato, pela primeira vez na história, é que a humanidade está vivendo na caverna de platão, pois o bombardeio global promovido pelo mundo audiovisual de certa forma substituem a realidade. Foram necessários passar vários séculos para que, enfim, isso ocorresse com os seres humanos. E a tendência é piorar.’ (José Saramago, escritor)
  3. Acho que nós temos muito de muitas coisas hoje em dia. A única coisa que não temos demais é tempo. E ter muito de todas as coisas significa não ter nada. Esse excesso de informações que nós temos hoje em dia mostra que basicamente somos incapazes de prestar atenção, somos incapazes de sermos tocados pelas imagens. E as histórias devem ser extraordinárias para nos tocar. As imagens simples nós não queremos mais vê-las. (Wim Wenders, cineasta)
  4. O neurologista Oliver Saks explica uma doença neurológica chamada Síndrome de Capgras. Uma vítima dessa doença acredita que alguém muito próximo, como um parente ou amigo, foi substituído por um impostor. Isso acontece porque, como Sacks explica, a Síndrome de Capgras faz com que o cérebro perca a capacidade de fazer conexões entre imagens e emoções. Essa condição pode levar a vítima a ter graves crises nervosas. Essa doença é uma evidência de que a visão é muito mais complexa do que a maioria imagina.