
SOBRE O DOCUMENTÁRIO
lIha das Flores é um documentário brasileiro de curta-metragem lançado em 1989 e dirigido por Jorge Furtado. Com duração de aproximadamente 13 minutos, o filme é uma obra-prima do cinema nacional e é amplamente considerado o melhor filme de curta-metragem brasileiro de todos os tempos.
Por meio de uma narrativa irônica e objetiva, Ilha das Flores traça um retrato forte das desigualdades sociais e econômicas existentes no Brasil e no mundo inteiro. O fio condutor do documentário é um simples tomate, desde o plantio em uma fazenda até seu descarte em um lixão de Porto Alegre, RS. Nesse lixão, assim como em outros espalhados pelo mundo, seres humanos disputam restos de comida com animais. A intenção do filme é expor a forma como o atual sistema econômico desumaniza e tira a dignidade de muitas pessoas.
A obra cinematográfica ganhou vários prêmios, como o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim em 1990 na categoria de curta-metragem e o Grande Prêmio do Júri no Festival de Clermont-Ferrand, na França. Desde seu lançamento, Ilha das Flores tem sido muito elogiado por fazer, de uma forma inovadora, uma crítica social profunda.
O documentário foi lançado há 36 anos atrás, mais infelizmente permanece, bastante atual. As desigualdades sociais e econômicas estão mais acentuadas do que nunca. Por isso, Ilha das flores é frequentemente utilizado por professores em escolas e universidade para discutir temas como consumo, desperdício, desigualdade e dignidade humana.
POR QUE EU GOSTEI DO DOCUMENTÁRIO
Um aspecto que me agradou em Ilha das Flores foi o excelente aproveitamento do tempo. Apesar de ter apenas 13 minutos, o documentário transmite uma mensagem profunda e impactante. As imagens são interligadas de forma impecável, contribuindo para o sentido geral da obra, e a narração é clara, direta e firme, o que prende a atenção do espectador do início ao fim.
Outro aspecto marcante é a forma como o documentário desperta sensibilização e empatia. Vivemos cercados de injustiças e sofrimento, mas, na correria do dia a dia, tendemos a ignorar essas questões, especialmente quando não nos afetam diretamente. Ilha das Flores nos convida a refletir sobre o fato de que milhões de pessoas, neste exato momento, vivem em condições desumanas, algo que não deveria ser aceito como normal.
Ao assistir ao documentário, lembrei-me do poema O Bicho, de Manuel Bandeira, escrito em 1947:
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
O poema retrata uma realidade chocante e absurda, mas que é tristemente comum. Justamente por ser tão frequente, corremos o risco de nos acostumar e começar a enxergar essas cenas como normais. É por isso que obras como O Bicho e Ilha das Flores são tão importantes: elas nos sensibilizam e nos lembram que tais situações jamais deveriam ser aceitáveis.
Outro ponto que me chamou a atenção foi o questionamento que o documentário faz sobre a verdadeira liberdade nos dias de hoje. Boa parte da humanidade vive em democracias e se fala muito em liberdade, mas até que ponto ela é real quando tantos seres humanos são reféns de condições econômicas e sociais deploráveis?
Uma última observação sobre a obra: logo no início do filme, antes das primeiras imagens e da narração, aparece na tela a frase “Deus não existe”. Essa declaração reflete um ponto de vista comum: para muitos, as injustiças e o sofrimento no mundo são provas da inexistência de Deus. É compreensível que pensem assim, pois realmente pode ser difícil conciliar a ideia de um Deus de amor com a realidade em que vivemos.
No entanto, essa visão pode ser questionada. Por exemplo, o uso de facas para assassinar prova que elas não foram projetadas por alguém? Ou o emprego de aviões para lançar bombas demonstra que não houve quem os idealizasse? Da mesma forma, o mau uso da inteligência e das habilidades humanas não contradiz a existência de Deus; em vez disso, demonstra que esses talentos, quando mal direcionados, podem gerar consequências devastadoras — um ponto que Ilha das Flores ilustra de maneira marcante.
Infelizmente, esse cenário se repete em grande escala. Decisões motivadas por egoísmo, ganância e ambição imediatista, frequentemente tomadas por líderes políticos e grandes empresários, desconsideram valores como ética, moral e solidariedade. As consequências dessas péssimas escolhas afetam a todos.
Apesar de abordar temas tão duros, Ilha das Flores é um documentário que vale muito a pena assistir. Curto, impactante e repleto de reflexões essenciais, é uma obra que nos faz questionar o mundo ao nosso redor e refletir no nosso papel em torná-lo melhor.