SOBRE A MÚSICA
A música “Dom Quixote”, lançada pelos Engenheiros do Hawaii em 2003, é uma prova da excelente bagagem cultural do compositor Humberto Gessinger. Inspirado em um dos maiores clássicos da literatura mundial, Gessinger criou uma canção rica de conteúdos e significados.
A seguir, apresento algumas informações para contextualizar a música.
A banda Engenheiros do Hawaii
A banda foi muito popular entre as décadas de 80 e 90. Músicas como “O Papa é Pop”, “Infinita Highway”, “Pra Ser Sincero” e “Era um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”, dentre outras, fizeram enorme sucesso e até hoje são apreciadas. Letras inteligentes que combatiam a alienação, referências literárias e uma sonoridade original foram alguns dos elementos que consagraram a banda junto ao público e à crítica. Mesmo após esse auge, os Engenheiros mantiveram uma base de fãs fiel e uma produção musical importante. A música “Dom Quixote” é um exemplo disso.
A mensagem da música
A música Dom Quixote ressalta importância de manter a pureza de coração e não perder a esperança, mesmo em um mundo frio e injusto. A letra também convida à reflexão sobre a necessidade de preservar bons valores, sem se deixar levar pelo que a maioria faz ou pelo medo. Ao mesmo tempo, a canção reconhece a fragilidade humana e a existência de “causas perdidas” do ponto de vista humano.
Sobre o livro que inspirou a música
“O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha”, ou simplesmente Dom Quixote, é uma das obras mais importantes da literatura mundial. Para se ter uma ideia de sua relevância, pesquisas indicam que esse é o segundo livro mais traduzido do mundo, superado apenas pela Bíblia.

O livro, escrito no século XVII, conta a história de Alonso Quijano, um nobre do campo que, de tanto ler histórias fantasiosas nos romances de cavalaria, enlouquece e decide se tornar um cavaleiro andante. Ele se envolve em diversas aventuras, ao mesmo tempo engraçadas e perigosas, na tentativa de corrigir as injustiças do mundo. Dom Quixote lembra, nos dias de hoje, aquelas pessoas que ficam o tempo todo assistindo novelas ou navegando nas redes sociais, a ponto de acreditar que tudo o que veem na ficção pode ser vivido na vida real. Essa confusão entre fantasia e realidade pode trazer consequências sérias — como aconteceu com Dom Quixote.
Além do humor, encontramos no livro profundas reflexões sobre o sentido da vida. Pretendo fazer em breve um post exclusivo sobre esta obra, que eu recomendo bastante.
A conexão da música com a obra literária
A letra da música faz muitas alusões ao clássico literário. Por exemplo, o eu-lírico se descreve como um “otário” que está “fora do páreo”, assim como Dom Quixote era visto como um louco em sua sociedade. O eu-lírico na música se apresenta também como um “peixe fora d’água” e uma “borboleta no aquário”, indicando que se sente deslocado em um mundo que para ele é hostil. Dom Quixote no livro é descrito do mesmo modo. A vontade de viver um ideal que a maioria não respeita é a essência dos dois personagens. A canção fala ainda do amor a “causas perdidas” e em “enfrentar moinhos de vento”, que são referências bem diretas a trechos do livro.

POR QUE EU GOSTEI DA MÚSICA
Gostei principalmente por ter sido inspirada em uma obra literária que eu gosto bastante. Na minha opinião, a música resgata até certo ponto o espírito do protagonista do livro: uma pessoa ingênua, idealista, vista como estranha pelos seus contemporâneos. Tanto a música quanto o livro transmitem a mensagem de que nem sempre é sensato seguir as atitudes e tendências do sistema. Vale a pena ter a coragem de ser diferente e promover valores como honra e justiça, mesmo que isso signifique certa rejeição social.
Além disso, a música é enriquecida por uma melodia marcante e pela voz ímpar do vocalista Humberto Gessinger. Destaco também a sua atualidade. A música foi composta há duas décadas, mas temas como alienação, a coragem de remar contra a maré e os conflitos entre sonho e realidade continuam estimulando profundas reflexões.
Por fim, vejo que tanto o livro como a música se unem para estimular um equilíbrio entre perseverança e bom senso. Perseverança por não abrirmos mão da nossa identidade e valores para satisfazer um sistema frio e materialista. E bom senso por nos fazer reconhecer nossas limitações. Dom Quixote não teve esse discernimento e acabou sofrendo muito. Esperança e coragem são fundamentais, mas a modéstia tem seu lugar. Simplesmente não podemos mudar o mundo sozinhos, e há causas que, pelo menos do ponto de vista humano, são, de fato, “perdidas”. Reconhecer isso é importante para preservar a saúde mental.
Vale a pena apreciar essa música!