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Resenha do livro Amor Líquido

SOBRE O LIVRO

O livro Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos foi escrito pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman e publicado pela primeira vez em 2003. O autor, falecido em 2017, ainda é reconhecido mundialmente por suas reflexões sobre a era atual. Ao longo da vida, Bauman escreveu mais de 50 livros, sendo um dos pensadores mais importantes do século XX e início do XXI.

Nesse livro, Bauman fala sobre os relacionamentos na sociedade contemporânea. Ele defende que os laços entre as pessoas estão cada vez mais frágeis e instáveis, como se fossem líquidos. As relações amorosas, familiares e até de amizade se tornaram mais descartáveis, rápidas e superficiais. Isso acontece, segundo ele, porque vivemos numa época marcada pelo medo da solidão, mas também pelo medo do compromisso.

O livro é direto e nos convida a refletir sobre como vivemos e nos relacionamos. Ele não é um livro de autoajuda, mas ajuda a entender por que muitas relações se desfazem tão facilmente hoje em dia. 

A obra foi bem recebida por críticos e leitores do mundo todo. Ela faz parte da série de livros em que Bauman analisa o que ele chama de modernidade líquida, ou seja, um tempo em que quase tudo muda rápido demais.

Inclusive, aqui no Sabores Literários você também encontra um post sobre o livro Modernidade Líquida, do mesmo autor. Vale a pena conferir!

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POR QUE EU GOSTEI DO LIVRO

Gostei porque o autor conseguiu abordar temas delicados com leveza, recorrendo a exemplos do cotidiano para desenvolver seus argumentos. Mesmo leitores que não estudam sociologia, ou que há muito tempo deixaram a escola, conseguem compreender sua linha de raciocínio. E isso é especialmente admirável vindo de um sociólogo altamente respeitado, com sólida formação acadêmica. Bauman poderia ter optado por uma escrita densa, mas preferiu um estilo de escrita mais acessível.

Também me chamou a atenção a atualidade da obra. Os fenômenos analisados por Bauman — como os relacionamentos casuais, o sexo sem compromisso e a valorização crescente das conexões virtuais em detrimento dos vínculos duradouros — tornaram-se ainda mais comuns em nossos dias. As consequências disso, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, hoje são mais evidentes do que nunca. É muito interessante ainda a forma como o autor articula o mundo interior das emoções com o mundo exterior das estruturas sociais. Isso enriquece o conteúdo do livro.

Outro ponto que considero digno de nota é o modo como a obra estimula a reflexão pessoal. Sem recorrer a moralismos, Bauman nos convida a pensar em questões importantes. Por exemplo: será que buscar apenas relações passageiras é realmente satisfatório? Quais são os benefícios de relacionamentos sólidos e duradouros? Vale a pena colocar o prazer momentâneo no centro da vida? Qual a diferença entre desejo e amor? E o que deve ser levado em conta na decisão de ter ou não filhos?

Essas e outras perguntas são tratadas com originalidade, bom senso e equilíbrio. Encontramos em Amor Líquido argumentos bem fundamentados. Bauman, de fato, é um pensador lúcido, que nos ajuda a compreender os desafios das relações humanas em tempos tão incertos. Vale a pena ler!

Zygmunt Bauman era um pensador lúcido. Sua obra permanece atual.

TRECHOS DO LIVRO PARA SABOREAR

Relacionamentos em tempos de vínculos frágeis

“O principal herói deste livro é o relacionamento humano. Seus personagens centrais são homens e mulheres […] ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de aflição, desesperados por ‘relacionar-se’. E no entanto desconfiados da condição de ‘estar ligado’, em particular de estar ligado ‘permanentemente’, para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar.”

“Não é verdade que, quando se diz tudo sobre os principais temas da vida humana, as coisas mais importantes continuam por dizer?”

“Afinal, a definição romântica do amor como ‘até que a morte nos separe’ está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraía seu vigor e sua valorização. […] Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados.”

“‘A satisfação no amor individual não pode ser atingida … sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras’, afirma Erich Fromm — apenas para acrescentar adiante, com tristeza, que em ‘uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista’.”

‘O foco do livro são homens e mulheres desesperados por ‘relacionar-se’, mas desconfiados da condição de ‘estar ligado”

Desejo e amor: forças contrárias

“Em sua essência, o desejo é um impulso de destruição. E, embora de forma oblíqua, de autodestruição: o desejo é contaminado, desde o seu nascimento, pela vontade de morrer. Esse é, porém, seu segredo mais bem guardado — sobretudo de si mesmo. O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar, e de preservar o objeto cuidado. Um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto desejo.”

“Amar é contribuir para o mundo, cada contribuição sendo o traço vivo do eu que ama. No amor, o eu é, pedaço por pedaço, transplantado para o mundo. O eu que ama se expande doando-se ao objeto amado. […] Amar significa estar a serviço, colocar-se à disposição, aguardar a ordem.”

“Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir. Enquanto a realização do desejo coincide com a aniquilação de seu objeto, o amor cresce com a aquisição deste e se realiza na sua durabilidade. Se o desejo se autodestrói, o amor se autoperpetua.”

“Tal como o desejo, o amor é uma ameaça ao seu objeto. O desejo destrói seu objeto, destruindo a si mesmo nesse processo; a rede protetora carinhosamente tecida pelo amor em torno de seu objeto escraviza esse objeto. O amor aprisiona e coloca o detido sob custódia. Ele prende para proteger o prisioneiro.”

“O eu que ama se expande doando-se ao objeto amado”

Relacionamentos como mercadoria

“Dizer ‘desejo’ talvez seja demais. É como num shopping: os consumidores hoje não compram para satisfazer um desejo, como observou Harvie Ferguson — compram por impulso.”

“Afinal, automóveis, computadores ou telefones celulares perfeitamente usáveis, em bom estado e em condições de funcionamento satisfatórias são considerados, sem remorso, como um monte de lixo no instante em que ‘novas e aperfeiçoadas versões’ aparecem nas lojas e se tornam o assunto do momento. Alguma razão para que as parcerias sejam consideradas uma exceção à regra?”

“O que caracteriza o consumismo não é acumular bens (quem o faz deve também estar preparado para suportar malas pesadas e casas atulhadas), mas usá-los e descartá-los em seguida a fim de abrir espaço para outros bens e usos.”

Em um mundo marcado pelo consumismo, vínculos afetivos são muitas vezes tratados como mercadorias substituíveis.

Os benefícios dos vínculos duradouros

“Se você investe numa relação, o lucro esperado é, em primeiro lugar e acima de tudo, a segurança — em muitos sentidos: a proximidade da mão amiga quando você mais precisa dela, o socorro na aflição, a companhia na solidão, o apoio para sair de uma dificuldade, o consolo na derrota e o aplauso na vitória;”


Ter filhos na modernidade: entre a escolha e a ansiedade

“Esta é uma época em que um filho é, acima de tudo, um objeto de consumo emocional. Objetos de consumo servem a necessidades, desejos ou impulsos do consumidor. Assim também os filhos. Eles não são desejados pelas alegrias do prazer paternal ou maternal que se espera que proporcionem — alegrias de uma espécie que nenhum objeto de consumo, por mais engenhoso e sofisticado que seja, pode proporcionar.”

“Os filhos estão entre as aquisições mais caras que o consumidor médio pode fazer ao longo de toda a sua vida. Em termos puramente monetários, eles custam mais do que um carro luxuoso do ano, uma volta ao mundo em um cruzeiro ou até mesmo uma mansão. Pior ainda, o custo total tende a crescer com o tempo, e seu volume não pode ser fixado de antemão nem estimado com algum grau de certeza.”

“Além disso, ter filhos é, em nossa época, uma questão de decisão, não um acidente — o que aumenta a ansiedade. Tê-los ou não é comprovadamente a decisão com maiores consequências e de maior alcance que existe, e portanto também a mais angustiante e estressante.”

É possível ser sólido em tempos tão líquidos? Vale a pena assistir a esse vídeo de apenas 3 minutos do estudioso Luiz Felipe Pondé.

Sexo casual, sem compromisso: prazer momentâneo, solidão persistente

“União — porque é exatamente o que homens e mulheres procuram ardentemente em seu desespero para escapar da solidão que já sofrem ou temem estar por vir. Ilusão — porque a união alcançada no breve instante do clímax orgástico ‘deixa os estranhos tão distantes um do outro como estavam antes’, de modo que ‘eles sentem seu estranhamento de maneira ainda mais acentuada’. Nesse papel, o orgasmo sexual ‘assume uma função que o torna não muito diferente do alcoolismo e do vício em drogas’. Tal como estes, ele é intenso — mas ‘transitório e periódico’.”

“A união é ilusória e, no final, a experiência tende a ser frustrante, diz Fromm, por ser separada do amor (ou seja, permitam-me explicar, do tipo de relacionamento Fürsein; de um compromisso intencionalmente duradouro e indefinido com o bem-estar do parceiro). Na visão de Fromm, o sexo só pode ser um instrumento de fusão genuína — em vez de uma efêmera, dúbia e, em última instância, autodestrutiva impressão de fusão — graças a sua conjunção com o amor. Qualquer que seja a capacidade geradora de fusão que o sexo possa ter, ela vem de sua ‘camaradagem’ com o amor.”

“Graças a um inteligente estratagema publicitário, o significado vernáculo de ‘sexo seguro’ foi recentemente reduzido ao uso de preservativos. O slogan não seria o sucesso comercial que é se não atingisse um ponto sensível de milhões de pessoas que desejam que suas explorações sexuais sejam garantidas contra consequências indesejáveis (já que incontroláveis).”

Sexo casual: prazer momentâneo, solidão persistente.

As consequências da liberdade sexual

“Com efeito, usar preservativo protege os parceiros sexuais de serem infectados pelo HIV. Mas essa infecção não é senão uma das muitas consequências imprevistas e certamente não negociadas dos encontros sexuais que tornam o homo sexualis desejoso de que o sexo seja ‘seguro’. Tendo escapado de um porto exíguo, embora controlado para navegar por águas inexploradas, sem mapa nem bússola, o sexo começou a ser visto como decididamente ‘inseguro’ bem antes que a descoberta da aids fornecesse o rótulo e o ponto focal para temores difusos e inominados.”

“O problema, porém, é que ‘ninguém pode garantir que um evento totalmente episódico não contenha em si uma força capaz de algum dia transformar-se, inesperadamente, na causa de eventos futuros’. Para resumir uma longa história: ‘nenhum episódio está condenado a priori a permanecer eternamente como um episódio’. Nenhum episódio está a salvo de suas consequências. A insegurança decorrente é eterna. A incerteza nunca se dissipará de modo total e irrevogável. Pode apenas ser suspensa por um tempo indeterminado — mas o próprio recipiente da suspensão é assaltado por dúvidas e assim se torna outra fonte de cansativa insegurança.”

“O homo sexualis não é uma condição, muito menos uma condição permanente e imutável, mas um processo, cheio de tentativas e erros, viagens exploratórias arriscadas e descobertas ocasionais, intercaladas por numerosos tropeços, arrependimentos por oportunidades perdidas e alegrias por prazeres ilusórios.”