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Livro Os miseráveis: Análise e trechos

SOBRE O LIVRO

Existe um interessante provérbio bíblico que diz o seguinte: “Não é bom mostrar parcialidade, mas o homem talvez faça algo errado por um pedaço de pão”. (Provérbios 28:21 – Clique e leia o capítulo 28 na íntegra). É exatamente isso o que acontece com Jean Valjean, protagonista do livro Os Miseráveis.

Os Miseráveis é um dos maiores clássicos da literatura mundial e foi escrito pelo francês Victor Hugo no século XIX. Victor Hugo também escreveu O Corcunda de Notre Dame (confira aqui no Sabores um post sobre esse livro).

No começo da história, Valjean vive com a irmã viúva e seus sete sobrinhos. Todos eram crianças, com idades entre um e oito anos, e a família vivia na pobreza extrema. Em certa ocasião, famintos e já sem ter o que comer, Valjean rouba um pão de uma padaria em um ato de desespero e é preso em flagrante. Esse episódio é a centelha que desencadeia toda a narrativa. A partir daí, o protagonista inicia uma jornada de sofrimento, aventuras incríveis, luta pela sobrevivência, redenção e superação.

A história de Jean Valjean, ao longo da narrativa, vai se entrelaçando com a de outros personagens igualmente marcantes: Fantine, uma mãe solteira destruída pelo preconceito e pela miséria; Cosette, sua filha, que, quando criança, foi explorada cruelmente por um casal de vigaristas; e Marius, um jovem revolucionário que se apaixona por Cosette.

A edição que li foi a da Cosac Naify, de 2015. Além de uma ótima tradução, ela traz textos de apoio e notas explicativas que enriquecem muito a leitura.

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POR QUE EU GOSTEI DO LIVRO

O livro é excelente! Em Os Miseráveis encontramos de tudo: drama, suspense, ação e aventura. É impossível não se envolver com a narrativa, que avança cheia de reviravoltas e momentos de grande emoção.

Por meio de personagens muito bem elaborados, Victor Hugo desenvolve temas realmente profundos. Jean Valjean, por exemplo, é o grande símbolo da mudança positiva. Sua jornada — de homem embrutecido pela miséria a alguém que se arrepende e busca a redenção — é inspiradora. Acompanhar seus dilemas de consciência me fez refletir sobre como nossas atitudes, muitas vezes impulsivas, podem gerar arrependimentos duradouros.

Fantine também tem um papel forte. Sua trajetória mostra como a sociedade humana frequentemente trata com muita desumanidade os que são mais frágeis. Ela é um lembrete da necessidade de empatia, sobretudo com aqueles que erraram, mas que querem se tornar pessoas melhores.

Já Javert representa outro tipo de miséria: a incapacidade de ter compaixão. Homem da lei, rígido e eficiente, mas sem humanidade, ele se mostra insensível ao sofrimento alheio. Contudo, em um dos momentos mais comoventes do livro, Javert aprende uma lição de Valjean que o faz repensar sua vida e seus valores.

Há ainda muitos outros pontos que eu poderia destacar, mas o essencial é que Os Miseráveis é uma obra inesquecível, que emociona e nos convida a refletir sobre questões profundas como justiça, perdão e solidariedade.

Umas das adaptações do livro para o cinema. Vale a pena assistir!

DICA PARA LER O LIVRO

A versão integral de “Os Miseráveis” tem mais de mil páginas, e eu recomendo essa leitura completa para que você saborei plenamente a riqueza da obra. Ressalto, no entanto, que Victor Hugo frequentemente interrompe a narrativa principal para discutir questões sociais, econômicas, históricas e religiosas (as famosas digressões de Victor Hugo). Minha dica é que você não desista de ler o livro nesses momentos. Tente aproveitar essas interrupções como uma oportunidade para entender melhor o contexto em que a história foi escrita. E procure relacionar essas discussões com os nossos dias. Acima de tudo, tenha paciência, pois a narrativa principal sempre retorna, e Hugo não deixa pontas soltas na história.

COMEÇE A SABOREAR: ALGUNS DOS TRECHOS DO LIVRO QUE EU MAIS GOSTEI

1 – Cinco anos! – dirá alguém – mas é incrível! Infelizmente é verdade. O sofrimento imposto pela sociedade começa bem cedo. Não vimos nós recentemente o processo de um tal Dumolard, pobre órfão que se tornou bandido, que, desde a idade de cinco anos, dizem os documentos oficiais, sendo sozinho no mundo, “trabalhava para viver, e roubava”?!

2 – Tomava as refeições sempre sozinho, tendo um livro aberto na frente, e lia enquanto se alimentava. Possuía uma pequena biblioteca de livros escolhidos. Gostava dos livros; os livros são amigos frios e seguros. À medida que a fortuna lhe ia dando mais descanso, parecia aproveitar o tempo para cultivar o espírito. Desde que se estabelecera em Montreuil-sur-Mer, notara-se que, de ano para ano, seu linguajar se tornava mais polido, mais requintado, mais amável.

3 – Ter continuamente ao nosso lado uma mulher, uma filha, uma irmã, um ser encantador, que está ali porque temos necessidade dele e porque ele não nos pode abandonar, ter a certeza de que somos indispensáveis a quem nos é necessário, podermos medir-lhe incessantemente o afeto pelo tempo maior ou menor que passa ao nosso lado, […] muito poucas formas de felicidade podem igualar-se a essa.

4 – Existe uma coisa que é maior que o mar: o céu. Existe um espetáculo maior que o céu: é o interior de uma alma.

5 – Alguns meses antes, justamente quando perdera os últimos restos de pudor, sua última vergonha e sua última alegria, Fantine não era mais que a sombra de si mesma; agora ela era um simples espectro. O mal físico completara a obra do mal moral, a pobre criatura de apenas vinte e cinco anos tinha a fronte enrugada, as faces lívidas, as narinas contraídas, os dentes abalados, o rosto cor de chumbo, o pescoço descarnado, as clavículas salientes, os membros mirrados, a pele cor de terra, e os cabelos loiros já começavam a crescer grisalhos. Como a doença improvisa a velhice!

6 – Como a pontualidade provém da bondade, era sempre pontual.

7 – Tudo se fez, então, em pequena escala, visando o lucro, em vez de visar o bem. Não existia mais um centro; só havia concorrência e ganância.

8 – Assim se explica a guerra, feita pela humanidade, contra a humanidade, apesar da humanidade.

9 – A natureza, com cinquenta anos de intervalo, havia posto uma separação profunda entre Jean Valjean e Cosette; essa separação fora preenchida pelo destino, que unira bruscamente e ligara com seu poder irresistível aquelas duas existências perdidas, diferentes na idade, semelhantes no luto.

10 – Todos devem conhecer o poder soberano dessas três palavras pronunciadas aos ouvidos de uma pequena criatura amedrontada: – Não diga nada! – O medo é mudo. Além disso, ninguém pode guardar tão bem um segredo quanto uma criança.

11 – O rapazinho, é verdade, estava vestido com uma calça de homem, mas não era de seu pai, e uma blusa de mulher, que também não era de sua mãe. Alguém, por simples caridade, vestira-o com esses trapos. Contudo, tinha pai e mãe. Mas seu pai não se importava com ele e sua mãe sequer o amava. Era um desses garotos dignos de piedade mais do que qualquer outra criança, porque tinha pai, mãe, e era órfão.

12 – Quando essas pobres criaturas se tornam homens, quase sempre a mó da ordem social os alcança e tritura; mas, enquanto são crianças, como são pequenos, conseguem escapar. Qualquer buraco os salva.

13 – Humanidade é identidade. Todos os homens são a mesma argila. Não existe nenhuma diferença, pelo menos aqui embaixo, na predestinação. A mesma sombra antes, a mesma carne durante, a mesma cinza depois. Mas a ignorância misturada à massa humana enegrece-a. Essa incurável negrura apodera-se do íntimo do homem e transforma-se no Mal.

14 – Tristes criaturas sem nome, sem idade, sem sexo, às quais nem o bem nem o mal são mais possíveis, e que, ao sair da infância, nada mais possuem neste mundo, nem a liberdade, nem a virtude, nem a responsabilidade. Almas desabrochadas ontem, emurchecidas hoje, em tudo semelhantes a essas flores caídas na rua, manchadas por toda sorte de lama, à espera que uma roda as esmague.

15 – A Inglaterra resolveu o primeiro desses dois problemas. Ela cria admiravelmente a riqueza; mas a reparte mal. Essa solução, completa por um só lado, leva fatalmente a estes dois extremos: opulência monstruosa, miséria monstruosa. Todas as benesses a alguns, todas as privações aos demais, isto é, ao povo;

16 – Grandeza malformada, em que se combinam todos os elementos materiais e na qual não entra nenhum elemento moral.

17 – O menor inseto é importante, o pequeno é grande, o grande é pequeno; tudo está em equilíbrio na necessidade, assustadora visão para o espírito. Entre os seres e as coisas há relações miraculosas; nesse inesgotável conjunto, desde o Sol até o pulgão, nada se despreza; uns têm necessidade dos outros. A luz não leva para o firmamento os perfumes terrestres sem saber o que faz; a noite distribui a essência das estrelas às flores adormecidas. Todos os pássaros que voam têm preso nos pés o fio do infinito.

18 – A miséria de uma criança interessa a uma mãe, a miséria de um rapaz interessa a uma jovem; a miséria de um velho não interessa a ninguém. De todas as misérias, esta é a mais fria.

19 – Por acaso haveria alguma guerra estrangeira? Porventura, todas as guerras entre homens não são guerras entre irmãos?

20 – Ver-se obrigado a confessar isto: a infalibilidade não é infalível, o dogma pode conter erros, o código não é completo, a sociedade não é perfeita, a autoridade pode vacilar, um desacordo no imutável é possível, os juízes são homens, a lei pode enganar-se, os tribunais podem errar!

21 – Que coisa terrível é ser feliz! Como nos contentamos! Como achamos que isso é suficiente! Como, estando de posse da falsa finalidade da vida, a felicidade, nos esquecemos de seu verdadeiro escopo, o dever!